28 março 2012

Inclusão na escola, um relato pessoal.

Será que estou redescobrindo a roda? Quanto mais o Enem se fortalece como instrumento de avaliação e como meio de ingresso no ensino superior, menos vagas sobram para as crianças com necessidades especiais no ensino médio regular e no final do ensino fundamental.

Essa convicção se apoia na lógica e na sensibilidade de mãe de um adolescente de 16 anos com necessidades especiais que, como muitas outras, peregrina por escolas privadas em busca de quem aceite o seu filho.

Não tenho problemas com o Enem como exame: a adesão é voluntária, como foi voluntária a opção das universidades federais em adotá-lo. Ele é o culpado pela exclusão de crianças e adolescentes com necessidades especiais? Não, ele é apenas mais um ingrediente no prato já bastante indigesto da inclusão nas escolas. Vivemos em uma sociedade competitiva. Conforme mais alunos são admitidos em boas universidades, melhor fica a imagem da escola onde eles estudaram, fazendo com que elas aceitem menos alunos com necessidades especiais.

Além disso, quanto custa para o professor e a para a classe ter alguém com necessidades especiais estudando no mesmo ambiente? Depende. Do ponto de vista humanitário, nada. Ao contrário, os alunos ganham porque aprendem a conviver e a respeitar o diferente.

No entanto, é verdade que o custo depende da qualificação do professor e da escola. Meu filho, por exemplo, tem síndrome de Asperger (transtorno do espectro autista) e epilepsia refratária (crises epilépticas recorrentes). Ele exige, assim, o esforço e o trabalho conjunto de vários profissionais.

Quando entro em contato com as escolas, sempre pergunto primeiro se há vaga para o ano em que meu filho está. Respondem que sim. Então completo: "ele é aluno de inclusão". A vaga some. Em minha peregrinação, deparei-me com uma série de situações. Em uma delas, o dono da escola me recebeu dizendo que não tinha condições e indicou uma escola inclusiva. Lá, quase todos os alunos têm necessidades especiais - é, portanto, uma escola exclusiva.

Como os psicólogos e médicos de meu filho sugerem que ele tenha um referencial de relacionamentos sociais normais, procurei outras escolas. Em uma delas, a coordenadora pedagógica, com a segurança que os casos de síndrome de Down, paralisia cerebral e autismo leve permitiam, disse que meu filho teria vaga na sua escola.

Na véspera do inicio das aulas, porém, fui avisada de que meu filho tinha sido rejeitado. As razões: ele sofreria bullying, não daria conta do conteúdo e os professores não o queriam na sala de aula. Trata-se, como se vê, de uma peneira perversa e intolerante, que só inclui os eleitos.

O evento afetou muito meu filho, que assistiu a tudo. Ao ouvir a referência ao bullying, ele perguntou: "Mas não serão eles os errados se fizerem bullying comigo?" Nada ouviu como resposta. Os professores estão capacitados para lidar com a variedade de transtornos do desenvolvimento que existe? Definitivamente não!

No currículo dos cursos de licenciatura em pedagogia, existe a disciplina de educação inclusiva. Mas só isso basta para um professor enfrentar uma sala com alunos de inclusão? Não -embora seja louvável a existência da disciplina de Libras (Língua Brasileira de Sinais), obrigatória na formação dos professores.

Como fazer então valer um preceito constitucional? Não sei, sou apenas uma mãe. No entanto, convido ao debate os profissionais da área da educação, da saúde, do direito, do governo, e nós, pais e mães.

É preciso que todos juntos busquemos meios para que os direitos desses nossos pequenos cidadãos serem respeitados agora, enquanto estão em formação, para que eles possam exercer a plena cidadania quando adultos.

Enfim matriculei meu filho em uma escola de muitos alunos, com e sem necessidades especiais. Não sei se, por lá, ela vai conseguir evoluir até o limite de sua capacidade. Mas ele foi acolhido por todos. É disso que uma criança vítima de rejeição crônica também precisa para ser feliz -embora a permanência na escola seja uma outra questão.

Texto: Maria Gabriela Menezes de Oliveira, bióloga com doutorado em psicobiologia pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), é neurocientista e professora da mesma universidade. Texto publicado na Folha de São Paulo de hoje (28).
Foto ilustrativa

4 comentários:

  1. Sentimos na pele as dificuldades e sabemos o quanto nossas escolas estão despreparadas para a inclusão. Agem instintivamente juntando os alunos com necessidades especiais como se praticassem a inclusão, quando isso é a verdadeira exclusão. Também devemos considerar a falta de acessibilidade física das escolas, que não querem investir nessa área, por conseguinte, fomos para o ensino doméstico e tiramos nosso filho do desconforto de ser discriminado e alijado do processo escolar como um todo. Parabéns pelo texto e pela coragem em dizer aquilo qeu eles não gostam de ouvir. Daniel

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  2. Uma realidade triste de se conviver. Logicamente poucos se darão ao trabalho sequer de ler este desabafo. Enquanto as pessoas se comportam como: "Não é na minha casa, então não é comigo", as coisas não vão mudar. Culpados por esta situação? Cada um de nós; cada um que vira o rosto quando ve uma criança ou adulto especial, ou que fixa o olhar com piedade ou curiosidade exageradas; Ou finge que não vê. A culpa é do governo, dos professores, diretores e donos de escolas preguiçosos que acham que já fazem demais. Dos pais que se acomodam....
    Enfim todos queremos ignorar algo que nos incomoda, que nos tira da "normalidade", da tranquilidade...
    Enquanto isso nada se discute. E vamos levando aos trancos e barrancos e fingindo que tudo vai bem.

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  3. Inclusão e acessibilidade é um assunto amplo e muito abrangente. Se pensarmos em doenças raras, só aí podemos pensar em 13 milhões de brasileiros a espera de uma saude mais digna e igualitária.

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  4. Fico triste quando vejo e entendo que estas coisas realmente acontecem, que o ser-humano ainda precisa evoluir muito! Em pleno ano de 2012 ainda existe tanta ignorância e racismo quando falamos de pessoas portadoras de necessidades especiais.Mas é isso aí gente, a batalha continua, sei que vc Daniel e vc Natascha lutam muito pelo "espaço" do Kleber, que é um direito dele, garantido por lei, e as pessoas não respeitam.E parabéns realmente pelo texto maravilhoso, um "acordar" para quem o lê!

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